O GOVERNO DILMA 

Por José Glauco Tostes,  Professor do LCQUI/UENF e membro da Diretoria da Regional RJ do ANDES/SN, biênio- 2010/2012




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O governo Dilma é, em boa parte ao menos, um prolongamento do segundo mandato do governo Lula. Por outro lado, está dando sinais até agora de ser um governo mais a esquerda que aquele de seu antecessor. Por “esquerda”, no sentido estrito, entende-se aqui ter os interesses da classe trabalhadora como referência incondicional teórico-prática de um projeto de poder. O termo pode ainda ser empregado em sentido lato quando aqueles interesses ocupam – de um modo dinâmico – apenas uma fração dos interesses de um dado projeto de poder, nacional no caso em tela. Pode-se então tentar estabelecer um gradiente ou espectro político de esquerdas, das menos para as mais distantes da acima mencionada referência em sentido estrito, até chegarmos ao extremo oposto de total antagonismo a tal referência; aí teríamos a “direita” em sentido estrito. O projeto de poder consubstanciado no segundo mandato de Lula (onde Dilma teve mais peso) foi auxiliado pela crise “financeira” disparada em 2008 e pela – não esperada pela direita nacional – saída de tal crise por aquele mesmo governo via aquecimento do nosso mercado interno.

O governo Dilma, tal como seu antecessor, tem um projeto de poder em patamares nacional e internacional, em contraste no mínimo parcial com o governo Fernando Henrique. Do ponto de vista da teoria política podemos conjecturar que se trata de um modelo de saída do capitalismo neoliberal (como diria Emir Sader, um importante quadro nacional à esquerda) transitando para um capitalismo de Estado. De passagem, frise-se que o militante paquistanês de esquerda, Tariq Ali, defende que, na atual conjuntura mundial, não restaria melhor opção paras as esquerdas classistas, isto é, muito próximas daquele referencial acima mencionado. Se, quando e como o governo Dilma pretende avançar além de um capitalismo de Estado, expandindo pesadamente – via transferência sustentável de renda do capital para o trabalho – investimentos em educação, saúde e previdência populares, não está nem um pouco claro no horizonte. Dito de outro modo, o que foi feito até agora desde o governo Lula ainda não parece essencialmente alterar o mais que secular e injustíssimo – em relação à grande maioria trabalhadora – pacto nacional capital-trabalho (quando comparado com os correspondentes pactos das outras nações capitalistas do planeta).

No projeto iniciado no governo Lula e prosseguindo com Dilma misturam-se contraditoriamente – e dinamicamente, isto é, com variações temporais no peso dos ingredientes da mistura – ingredientes a favor do trabalho e a favor do capital. Neste preciso ponto, diga-se que já o governo Lula repete com competência estratégias varguistas na relação conflitante capital-trabalho: uma no cravo do capital, outra na ferradura do trabalho. Além disso, o governo Lula foi hábil em dividir as esquerdas em dois grandes grupos altamente polarizados: um grupo extremamente dócil ao governo, outro extremamente adverso. Esta postura abstrata ou “purista” tende a enfraquecer, no longo prazo, ambos os grupos, na medida em que também tenham, ou estejam em vias de construir, um projeto alternativo de poder.

Em termos de política internacional o governo Lula e, com ele, o governo Dilma parecem ter dois grandes alvos, um continental e outro mundial: a) Brasil como potência hegemônica na América do Sul e em alguns outros pontos, como na África portuguesa (não há potências hegemônicas “do bem” como parece querer inventar o “nosso bom” Bresser Pereira); b) Brasil como potência energética mundial. Existem vários indicadores do alvo (a): o domínio brasileiro da soja no Paraguai e Bolívia, “generosos” financiamentos em empreendimentos como as estradas de ferro do IIRSA no Peru e no Equador etc. A antes briosa Argentina, hoje mais parece um apêndice brasileiro. É ainda discutível qual o “grau” de hegemonia que o Brasil pretende alcançar na América do Sul. Outrossim, existem elementos internos que parecem – ainda – jogar contra tal objetivo; por exemplo, tendências desindustrializantes brasileiras. Como quer que seja, tal como aconteceu na URSS, o Brasil só terá capital para investir em poucas frentes de alta tecnologia, copiada ou inovada. Mas coerentes com o projeto hegemônico (a), estatísticas mostram que nos últimos anos o Brasil vem liderando investimentos na área militar sul-americana, tendência que deve se acentuar nos próximos anos. O objetivo (b) está centrado no petróleo, em grande parte; particularmente nas reservas do pré-sal, o que levou recentemente o Brasil a ampliar unilateralmente os limites de suas águas oceânicas territoriais. Aqui não há desindustrialização. No terreno das relações internacionais, frise-se as posições críticas de Dilma diante da própria ministra alemã Ângela Merkel sobre as políticas anti-crise (mas também anti-populares) européias.

Em termos de economia-política nacional, como o projeto de poder Lula-Dilma é de um capitalismo de Estado, ele tem que ter ao menos uma fração substantiva do capital nacional a seu favor. Tal fração “aliada” parece contar, entre outros, com os grupos de empresas de grandes obras de engenharia que recebem vultosos auxílios do BNDES, seja para obras nacionais ou internacionais (particularmente na América do Sul). Naturalmente haverá uma outra fração descontente: mais um passo nessa direção foi dado, no dia 04/04, pelo governo Dilma, segundo manchete de “O Globo” de 05/04: “BB e Caixa derrubam juros (do mercado) para estimular a economia”, que prossegue afirmando “Ficam mais baratas as linhas de financiamento para forçar a concorrência” (com os grandes bancos privados, particularmente com o Itaú e o Bradesco). Nesse caso vai aumentar a ira do capital financeiro contra o governo, pois este pode estancar a “farra” dos bancos privados com a especulação via dólar valorizando o real. Com essas medidas mais o recente pacote oficial de estímulo à industrial, o governo por sua vez poderá angariar mais simpatia junto ao setor industrial privado (capital produtivo), particularmente pelo lado da poderosa FIESP. Ainda em termos nacionais registre-se o conflito recente do governo com “generais de pijama” (particularmente, era de se esperar descontentamento com a escolha de Amorim como Ministro da Defesa).

É a partir dessa moldura político-econômica nacional que poderemos avaliar os Executivos Estaduais, como o governo Cabral, o que faremos oportunamente. E a partir desta avaliação do executivo do RJ, poderemos avaliar os impactos do atual mega-projeto do Açu na Região Norte Fluminense e, particularmente, em Campos.

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